Por Victoria Ferraro
Todo momento de crise exige mudanças em todas as áreas de nossas vidas, incluindo a moda. Na Primeira Guerra Mundial, por exemplo, as mulheres finalmente entraram no mercado de trabalho e transformaram suas vestimentas extremamente femininas em peças mais práticas para uma rotina de labuta intensa. No momento atual, com a pandemia do Covid-19, o universo fashion também precisa se adaptar e respeitar as mudanças para dar continuidade à indústria. Um exemplo marcante dessas transformações? A Semana de Moda Masculina de Londres em sua mais nova versão, 100% digital.
A London Fashion Week aconteceu entre os dias 12 e 14 de Junho de maneira inteiramente virtual, contando com o conteúdo das novas coleções e iniciativas das marcas britânicas publicados em seu próprio site. Lá, os designers tiveram a liberdade de apresentar suas novidades da forma que os fosse conveniente, considerando o cenário de isolamento social. Lookbooks, vídeos, podcasts, estavam entre tantas outras formas de contar suas novas histórias. A prática não só respeitou os limites que a pandemia impôs, como também tornou a informação de moda mais acessível. Diferente dos desfiles tradicionais das Semanas de Moda, que demandam convites, qualquer pessoa pode acessar os conteúdos disponibilizados pelos designers na plataforma. E, mais do que a apresentação das tendências das novas temporadas, os diretores criativos aproveitaram o espaço para expor novos conceitos através da arte. Incrível, né?
Como toda boa Fashion Week, a temporada traz muitas novidades prontas para invadir nossos closets. Confira-as aqui:
Honre suas origens
Entre filmes e exposições virtuais, designers emergentes decidiram revisitar seus passados para traçar novos começos. Para apresentar a coleção ‘The Abstract Truth’ (‘A verdade abstrata’, em tradução livre), Nicholas Daley explorou em seu fashion-film o movimento de arte abstrata negra dos anos 1970 junto de músicos de jazz do sul de Londres. Na filmagem, somos levados aos bastidores e à própria passarela do designer, que expressou o afrofuturismo, o rock psicodélico e o jazz experimental. Pense em um visual retrô, mas que carrega contemporaneidade através das cores e da modelagem descontraída.
A Ahluwalia optou por uma exposição fotográfica virtual com foco no multiculturalismo em que o visitante pode navegar em um espaço que simula uma sala de museu e aprender sobre a cultura Punjabi, de origem indiana e conhecida pelo caráter hospitaleiro, oferecendo uma perspectiva única do que significa ser uma pessoa de herança mista na Grã-Bretanha Moderna. Já a Pronounce propôs um curta-metragem em que se apresenta um flip-book. No livro, a marca conta uma história antiga da mitologia grega que sugere uma desaceleração da vida. O recado chegou no momento certo: é hora de aproveitarmos cada segundo.
Foco Moda sustentável
O Covid-19 impediu as grifes de investirem em novos tecidos e aviamentos. A melhor solução? Upcycling e o olhar eco-friendly, claro!
Por Robyn Lynch, recebemos em primeira mão um documentário caseiro que mostra a sua jornada no design através de sua nova coleção-cápsula, composta por peças híbridas e confeccionada utilizando tecidos acumulados de coleções anteriores e materiais doados pela Rapha, grife britânica voltada para o estilo de vida esportivo. Louise Gray também explorou o documental com sua coleção de camisetas sustentáveis em seu curta-metragem, acompanhado de artes dotadas de cor e abstracionismo com uma pegada punk. Mais britânico, impossível!
Li Gong, o designer da 80N8, construiu uma coleção de toucas feitas com materiais de coleções anteriores e achados em lojas de caridade. Em seu vídeo, ele utilizou uma câmera olho de peixe que foca nas toucas, mostrando a trajetória da pessoa que a usa em um passeio de carro por Londres. Assim como a 80N8, Natasha Zinko também nos chamou para dar uma volta: desta vez, em um jardim florido, onde mostrou, em um curta-metragem, sua coleção de peças inspiradas no estilo americano da moda anos 70. Todos os looks foram criados a partir de tecidos de coleções anteriores com o objetivo de desenvolver novas silhuetas.
Christopher Raeburn escolheu desviar-se da subjetividade das Semanas de Moda para criar um debate incrivelmente informativo. O designer se juntou a Dylan Jones para discutir sua coleção-cápsula de peças recicladas e abordar assuntos como o desperdício e a produção em massa. Uma aula e tanto para quem quer tornar suas práticas de consumo mais conscientes, mas ainda não sabe por onde começar.
Posicionamento anti-racista
Com os inúmeros protestos que lutam contra o racismo ao redor do mundo, os designers ingleses aproveitaram a plataforma para manifestarem-se anti-racistas, abordando o orgulho negro e compartilhando informações educativas sobre a luta contra o preconceito racial.
Charles Jeffrey Loverboy organizou um stream com vários artistas negros angariando fundos para o Black Pride. Unidos ao cenário levemente escuro com pinturas e tecidos com respingos de tinta na parede, todos usaram as peças da marca, fazendo jus ao estilo punk e desconstruído, clássico de Londres e da label.
As lives não poderiam ficar de fora na pauta anti-racista. A designer Bianca Saunders se reuniu com a modelo e escritora Jess Cole e com o fotógrafo Joshua Woods para discutir sobre a última colaboração que fizeram juntos.
A London Fashion Week digital abriu espaço também para os estudantes da universidade de Westminster mostrarem seus trabalhos sobre moda e imagem em que abordam a importância da educação anti-racista. Novos artistas e designers ganham espaço ao mesmo tempo que nos trazem novos conceitos sobre a luta contra o preconceito racial. Mais do que rejuvenescedor, absolutamente necessário.